domingo, 7 de março de 2010

Corrupção (texto de trabalho)

imagem da campanha da ONU contra a corrupção

Corrupção – muito se fala, pouco se define, menos se quantifica, apesar de ter originado uma autêntica indústria analítica e motivado referências permanentes, tanto na actualidade, como ao longo da história, em Portugal e no estrangeiro. Entre a aporia do queixume e o circuito internacional das conferências, passando pela exploração mediática e utilização política como arma de arremesso, o tema corrupção está muito limitado a percepções.

Da corrupção – ou do que se entende por isso – diz-se que mata. Destrói vidas individuais, seja em termos de liberdade, saúde ou propriedade, e colectivos humanos, designadamente países. O Banco Mundial considera a corrupção o maior obstáculo individual ao desenvolvimento económico e social. Com referências generalizadas na actualidade e omnipresente ao longo de séculos, é apontada hoje, por exemplo, como uma das causas da actual recessão norte-americana (Akerlof e Schiller 2009) e internacional [dirigentes do Banco Mundial e da Transparência Internacional (1)], como foi ontem da perda da independência de Portugal (Oliveira Marques 1990) ou do império português da Índia [Beattie 2009] – por junto, é vista como an insidious plague that has a wide range of corrosive effects on societies. It undermines democracy and the rule of law, leads to violations of human rights, distorts markets, erodes the quality of life and allows organized crime, terrorism and other threats to human security to flourish (Annan 2004).

Em termos estritamente económicos, aumenta a desigualdade de rendimentos e a pobreza, ao reduzir o crescimento económico, a progressividade do sistema fiscal, o nível e a efectividade da despesa social e a formação do capital humano e ao perpetuar uma distribuição desigual da propriedade e do acesso desigual à educação (Gupta, Davoodi e Alonso-Terme 1998). Os seus efeitos negativos prolongam-se, porém, designadamente, à política, à sociedade e ao ambiente

Mas, começando pelo princípio, como se define corrupção, um termo e um tema em destaque na agenda internacional a partir dos anos 90, depois de Gorbachov ter visto a sua intenção de abertura (glasnot) e reestruturação (perestroika) do sistema soviético redundar na implosão da URSS?
E, justamente, porque ganhou visibilidade nos últimos anos?
Quais as suas causas? Qual a sua dimensão? Quais as suas consequências? Terá ‘cura’? Será algo inerente à condição humana, como parece indicar a sua recorrência histórica independentemente das civilizações?
Porque razão é mencionada século após século, malgrado a condenação pública generalizada que suscita? Constituirá uma ‘capa’ para outro fenómeno qualquer?
O foco generalizado no funcionário público e no político, como corrompido, será excessivo, desequilibrado? Já se recomendou que a definição clássica [abuso de cargo público para benefício privado] fosse reformulada para “privatização da política pública” (Kaufmann 2008). Isto faz entrar os privados na equação e traz para a discussão o lobbying na produção de leis ou a captura do Estado. Contudo, mesmo esta redefinição é questionável, ao se considerar que a corrupção é instrumento usado nas relações inter-estatais. Por outro lado, apesar de o foco público ser na grande corrupção, ligada ao exercício de cargos públicos, a pequena corrupção não pode/deve ser ignorada pelo que revela de maturidade cívica e exercício de cidadania. Concretamente, os portugueses são acusados de permissividade (Bento 2009; Sousa e Trigães 2008) e de não terem um juízo de censura (Pinto Monteiro 2006).

Mais do que uma sociedade anómica, sem regras gerais, estar-se-á perante uma justaposição de regras diferentes, se não antagónicas, apesar de coincidentes no tempo e no espaço, próprias de uma sociedade estruturada por relações de força, em que o vencedor define interesse público?

No limite, o que está em causa é saber se tudo se reduz a uma economia política mafiosa (Tapia 1999), onde se assiste à criminalização da política e à politização de criminosos (Naím 2009), em função de uma lógica de criminalidade sistémica (Maillard 2010), que provoca o sacrifício dos laços sociais ao deus dinheiro (Minc 1990).

Rui Nunes / Sara Hacamo

Notas

(1) Daniel Kaufmann: The financial debacle has many causes and implications, but it would be wrong to underestimate systemic corruption.
Disponível na Forbes, de 27 de Janeiro de 2009.
Consultado em 02 de Fevereiro de 2010.

Segundo uma notícia da agência EFE, datada de 09 de Dezembro de 2009 e despachada de Madrid, “La corrupción ha sido un "acicate bastante importante" de la crisis financiera, según apuntó hoy Jesús Lizcano, presidente de la organización Transparency International (TI) en España, en la presentación de los resultados del Indice de Fuentes de Soborno 2008”.
Disponível em Terra.
Consultado em 02 de Fevereiro de 2010.

Referências

Annan, Kofi (2004), Preamble, United Nations Convention Against Corruption, Disponível em Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção. Consultado em 13 de Fevereiro de 2010.

Akerlof, George A. e Robert J. Schiller (2009), Animal Spirits – How Human Psychology Drives the Economy, and Why it Matters for Global Capitalism, Princeton: Princeton University Press.

Beattie, Alan (2009), False Economy – A Surprising Economic History of the World, Londres: Penguin.

Bento, Vítor (2009), Perceber a Crise para Encontrar o Caminho, Lisboa: bnomics.

Gupta, Sanjeev, Hamid Davoodi e Rosa Alonso-Terme (1998), "Does Corruption Affect Income Inequality and Poverty?", IMF working paper 98/76.

Kaufmann, Daniel (2008), “Capture and Financial Crisis: An Elephant Foring a Rethink of Corruption?”, no blogue The Kaufmann Governance Post, de 03 de Novembro de 2008.
Consultado em 15 de Fevereiro de 2010.

Maillard, Jean de (2010), L’Arnaque. La Finance Au-Dessus des Lois et de Règles, Paris : Gallimard.

Minc, Alain (1990), L’argent fou, Paris: Grasset.

Naím, Moisés (2009), "Illicit Networks Operate at the Frontiers of Globalization", entrevista à revista The Brown Journal of World Affairs, Vol. XVI (1), pp: 179-183.

Oliveira Marques, A. H. (1990), “Corrupção e História”, in Alta Autoridade Contra a Corrupção (AACC) (1990), Jornadas sobre o Fenómeno da Corrupção – Textos de Apoio, Lisboa, AACC, pp: 10-11.

Pinto Monteiro, Fernando (2006), discurso de tomada de posse como procurador-geral da República.
Consultado em 20 de Fevereiro de 2010.

Sousa, Luís de e João Triães (2008), Corrupção e os Portugueses. Atitudes – Práticas – Valores, Lisboa: RCP Edições.

Tapia, René (1999), “As Rotas do Narcotráfico – Ásia Central, Cáucaso e Balcãs”, in Informação Internacional – Volume II, Lisboa: Departamento de Prospectiva e Planeamento, pp: 379-389.

nota - o texto saíu com data de domingo, mas foi publicado hoje, 2.ª feira, às 13:34 horas. Quando saíu para o blogue assumiu a data do rascunho que, esse sim, estava lá desde ontem. Não há aqui batota com as datas (RN). Just in case...

4 comentários:

  1. Meus caros colegas,

    Nem eu nem o Rui já temos tempo para mudar o mundo, essa tarefa fica para a Sara. No entanto, fica o espirito por que sempre conduzi a minha forma de estar na vida, e que senti um enorme prazer na identificação com que vi no cimema o filme sobre a vida de Nelson Mandela,e a frase final do filme brilhantemente apresentado por esse senhor chamado Morgan Freeman " Dono da minha Alma, senhor do meu Destino ".
    Divirtam-se no Sábado por favor !

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  2. A corrupção corrompe. E a corrupção absoluta corrompe absolutamente.

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  3. Excelente artigo o vosso!
    A magistrada Maria José Morgado pediu reforços: 2 deles estão no MEPII!

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  4. O poder/dinheiro subverte o Homem, só a integridade de caracter o impede de fracassar nesse dominio. Estou curiosíssimo para assistir à vossa apresentação.

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