sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

corrupções zinhas 1

Deputados britânicos obrigados a devolver ao Parlamento mais de um milhão de libras

Por Ana Fonseca Pereira, do Público

Relatório às despesas com segunda residência encontrou sistema defeituoso e com regras pouco claras. Ao todo, 364 parlamentares têm de restituir montantes recebidos desde 2004

Procuradoria anuncia hoje decisão

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Nove meses depois de o escândalo rebentar e a pouco mais de três meses da data prevista para as legislativas, a reputação do Parlamento britânico sofreu ontem novo revés. O relatório às despesas dos deputados concluiu que o sistema de reembolsos é "profundamente defeituoso" e que a "cultura de deferência" que subsiste em Westminster favorece os abusos. Concluídas as investigações, mais de 300 actuais e antigos deputados terão de devolver 1,12 milhões de libras (1,2 milhões de euros) recebidos indevidamente desde 2004 - um pouco menos do que o custo final do inquérito.

"Documento da vergonha." Foi assim que o Times chamou ao relatório de 241 páginas preparado por Thomas Legg, o antigo dirigente da administração pública que Gordon Brown chamou para aplacar a polémica criada em Maio, quando o Daily Telegraph publicou detalhes dos gastos (em alguns casos apenas excêntricos noutros totalmente irregulares) dos deputados com a segunda residência, aquela a que têm direito os eleitos por círculos fora de Londres.

E o veredicto ontem tornado público não podia ser mais devastador: o sistema é "profundamente defeituoso", as regras são "vagas" e em muito casos não existem documentos que justifiquem as despesas. "Tendo em conta a falta de transparência e a cultura de deferência, isto significa que falta legitimidade às decisões tomadas [pelos funcionários] do gabinete de despesas e muitas delas estavam de facto erradas", conclui Legg.

Ao todo, 364 deputados - mais de metade dos investigados - terão de devolver dinheiro recebido entre 2004 e 2009, em valores que variam entre as 42 mil libras exigidas à secretária de Estado da Administração local, Barbara Follet, e os 40 pence pedidos ao deputado trabalhista Mike Gapes.

A maioria terá de devolver entre mil a cinco mil libras, uma conta muito inferior à apresentada ao casal torie Andrew Mackay e Julie Kirkbride. Durante anos, um deles recebeu ajuda do Parlamento para pagar um apartamento em Londres, enquanto ao outro eram pagas as prestações da residência familiar.

Seguindo as instruções dos líderes, a maioria dos visados devolveu o dinheiro antes de concluídas as investigações e, em vários casos, até pagaram somas superiores às que agora lhes são exigidas. Ao todo, regressaram ao Parlamento 800 mil libras.

Mas 75 deles optaram por recorrer, acusando Legg de aplicar regras que então não existiam. E o juiz Paul Kennedy, nomeado para decidir os recursos, concluiu que algumas das decisões foram "lesivas e injustas". Lembrou, por exemplo, que nada impedia um deputado de celebrar um contrato de arrendamento com um familiar. Por causa disso, 44 recursos foram aceites e 26 deputados viram mesmo as suas dívidas anuladas.

Na esperança de encerrar este episódio antes das legislativas, os líderes partidários apoiaram as conclusões. "Esta é uma etapa essencial para restaurar a confiança nas nossas instituições", disse um porta-voz do primeiro-ministro, enquanto David Cameron, líder dos conservadores, acredita que a reparação dos erros "permitirá criar um Parlamento em que o povo confie". "Espero que seja o episódio final deste Parlamento apodrecido", acrescentou o liberal-democrata Nick Clegg.

Expectativas que parecem irrealistas face à sugestão de que alguns deputados se preparam para recorrer aos tribunais, ainda que o Parlamento prometa cortar os salários dos que não tenham reparado a dívida até ao dia 22. E hoje o Ministério Público decide se acusa seis deputados suspeitos de ilícitos criminais e que não foram abrangidos pelo inquérito.

Parece, por isso, previsível que só as eleições permitam enterrar o caso: os deputados com a reputação abalada dificilmente serão reeleitos (muitos decidiram já não se recandidatar) e as novas regras para os gastos entrarão em vigor na próxima legislatura

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